MEIO AMBIENTE

Vale Verde contamina o Rio Traipu

Presença de metais pesados onde rio deságua pode ter origem na barragem de resíduos da mineradora que fica em Craíbas


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  Fonte: Tribuna Hoje - Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente

  Foto: Reprodução/Tribuna Hoje

Postado em: 28/10/2023 às 16:05:18

A Mineradora Vale Verde é acusada de poluir o rio Traipu que passa próximo a sua unidade industrial na zona rural do município de Craíbas, no Agreste alagoano. De acordo com a bióloga Neirevane Nunes, “a barragem de rejeitos da mineração de cobre da Vale Verde é a maior já construída em Alagoas e tem acesso às calhas de rios temporários que deságuam no São Francisco, a exemplo da bacia do rio Traipu”.

Em artigo assinado por ela, com o título “a mineração de milhões em Craíbas que ameaça a Bacia do Rio São Francisco”, a bióloga denuncia o suposto crime ambiental, com base em estudos feitos por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e pede providências aos órgãos ambientais, ao Ministério Público Estadual (MP/AL), ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU).

“Estudos da Ufal indicam níveis acima dos limites toleráveis na foz do Rio Traipu, principalmente ferro, zinco e manganês. Segundo os pesquisadores, estas alterações podem ser decorrentes de processos erosivos, assoreamento e revolvimento do solo, mas não pode ser descartada a possibilidade de manejo inadequado do solo e que ações de mineração possam contribuir com o aumento dos níveis destes compostos na região”, afirmou Neirevane.

Segundo ela, dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que Craíbas é o município alagoano que possui a maior arrecadação de recursos por meio da Compensação Financeira pela Exploração de Minérios (CFEM), com a mineração de cobre pela empresa Vale Verde. “Craíbas, neste ano de 2023, apresentou arrecadação de R$ 18,5 milhões, por meio da CFEM, que são bens da União. Essa compensação foi instituída pela Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989”.

No entanto, a bióloga destaca que o município de Craíbas, mesmo recebendo milhões todo ano, não consegue proporcionar à população uma melhor qualidade de vida. “Os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) são os piores de Alagoas e do Nordeste, além do desemprego e da falta moradia digna”. Além disso, acrescenta: “Craíbas já sofre grande impacto socioambiental pela exploração de cobre pela Vale Verde, o que levou a empresa a ser alvo de investigações, após sucessivas denúncias da população de Craíbas e de Arapiraca”.

Para Neirevane, a mineração predatória de cobre em Craíbas pode afetar a Bacia São Francisco, que recebe as águas do rio Traipu, um dos afluentes que deságua no Velho Chico na cidade do mesmo nome. De acordo com a bióloga, a barragem de rejeitos da mineração de cobre da Vale Verde, que forma um paredão enorme em torno de uma cratera gigantesca, fica nas proximidades do rio Traipu, que corta o município de Craíbas, vindo de Bom Conselho, onde nasce, em Pernambuco.

“A mineração da Vele Verde pode ter afetado o São Francisco se comprovado que há vazamento de rejeitos, uma vez que um dos afluentes, o Rio Traipu, deságua na calha do Velho Chico”, enfatizou a bióloga. Segundo ela, “amostras de água do São Francisco, coletadas por pesquisadores da Ufal, na cidade de Traipu, constatou a presença de metais pesados, que vão além nos níveis toleráveis”.

Pesquisas e lamento em rio onde os peixes sumiram

Pescador José Antônio diz que antigamente tinha peixe em abundância no rio; hoje é dia sim, dia não (Foto: Ricardo Rodrigues)

Com base nas informações da bióloga Neirevane Nunes, que coordena o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, foram ouvir o professor Emerson Soares, que comanda as pesquisas de campo da Universidade Federal de Alagoas, sobre a qualidade das águas do Rio São Francisco. Ele confirmou que nas análises feitas por equipes da Ufal, nas águas do rio Traipu, que é afluente do São Francisco, foi detectada a presença de metais pesados.

“Fizemos as análises, mas ainda temos poucas informações e em novembro faremos mais uma coleta para comprovação dos níveis de metais mais elevados, haja vista que nas duas coletas realizadas tivemos algumas alterações nestes níveis e se faz necessária uma terceira para ver se é isso mesmo”, afirmou Soares.

Segundo ele, as amostras continham zinco, manganês e ferro, acima dos limites toleráveis; cobre também encontrado, mas dentro da normalidade. Emerson Soares disse ainda que havia nitrato, que não é metal, mas foi encontrado em grande quantidade. Questionado se esses metais pesados estariam vindo da barragem de cascalho da mineradora Vale Verde, o professor disse que é possível, mas precisaria ser melhor apurado.

“Veja bem, se existe mineração e tem barragens de rejeitos e movimentação do solo, deve-se redobrar os cuidados. Porque foram encontradas alterações de nutrientes, exatamente no rio Traipu que passa pela região, e ao monitorarmos todos os 250 quilômetros do rio São Francisco, um dos pontos que deu fora do normal, foi a foz do Traipu, agora precisa saber o porquê disto. Não posso atribuir a mineração, mas existem várias hipóteses que devem ser estudadas”, explicou Soares.

Para ele, “essa hipótese (da contaminação) não pode ser descartada. Mas temos assoreamento dos solos, erosão agroquímicos, revolvimento do solo, esgotos industriais e domésticos. Tudo isso pode contribuir para a presença desses metais pesados. Alguma coisa está acontecendo na região e no rio Traipu e merece investigar”, concluiu.

Na cidade de Traipu, na beira do rio São Francisco, a poucos metros da foz do rio que dá nome a cidade, conversamos com pescadores e ele reclamaram da polução. “Antigamente a gente pegava vários tipos de peixe, bastava jogar a rede e vinha peixe em quantidade. Hoje, a gente não pega um dia sim, um dia não, mesmo assim um pouquinho de nada”, afirmou o pescador José Antônio dos Santos Silva, de 64 anos.

“A minha tristeza é vê um neto meu, de cinco anos, e saber que, quando ele crescer, o rio pode não ter mais peixe, se acabando desse jeito”, acrescentou o pescador, filho natural de Traipu.

Mineradora garante que o projeto é sustentável

A reportagem da Tribuna Independente entrou em contato com a assessoria de comunicação da Vale Verde, tanto pelo celular como pelo e-mail da empresa, mas não deram retorno. No entanto, no site da Vale Verde na internet, a empresa garante que respeita o meio ambiente e pratica o desenvolvimento sustentável.

“Estamos operando a Mina Serrote com disciplina financeira e excelência operacional, promovendo uma visão diferenciada de sustentabilidade.de torna segura e responsável”, diz a empresa em suas redes sociais.

A empresa diz ainda que “a Mineração Vale Verde tem como principal objetivo desenvolver o Projeto Serrote, localizado no município de Craíbas, junto à divisa do município de Arapiraca, um dos principais centros urbanos do Estado”.

Multinacional

A Mineradora Vale Verde é uma multinacional, como ela mesmo reconhece: “Somos uma empresa que pertence ao fundo de investimentos britânicos Appian Capital Advisory, tendo como principal objetivo implantar o Projeto Serrote, localizado em Craíbas, no Agreste alagoano, onde se encontra presente desde 2007”.

Desde então, segundo ela, foram investidos mais de R$ 200 milhões e o investimento previsto para a implantação do Projeto Serrote é superior a R$ 700 milhões. Para o pico da implantação do empreendimento em 2020, estava prevista a geração de cerca de 1.200 empregos diretos, entre empregados da MVV e contratados.

Na fase de operação, ainda de acordo com a empresa, estavam previstos cerca de 500 empregados direitos. “Com a Licença de Instalação emitida pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), em 2017 – e prorrogada em outubro de 2019, até 2021, projeto Serrote segue firme”.

Prefeitura

A prefeitura de Craíbas, administrada pelo prefeito Teófilo Barros Pereira, também foi procurada pela reportagem, na semana passada, mas não deu retorno. No entanto, o espaço continua franqueado para as explicações necessárias.

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