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Velho Chico: 515 Anos de Exploração e Martírio

O rio São Francisco está completando hoje, dia 4 de outubro, 515 anos da chegada do navegador florentino Américo Vespúcio à sua foz.


  Foto: Divulgação

Postado em: 05/10/2016 às 05:45:00   /   por Helio Fialho

O rio São Francisco está completando hoje, dia 4 de outubro, 515 anos da chegada do navegador florentino Américo Vespúcio à sua foz. Ele, vindo do cabo de São Roque, se fazia acompanhado do comandante da expedição, o português André Gonçalves. Em 1503, chega à foz do rio a expedição de Gonçalo Coelho, outra vez com Américo Vespúcio.

Discordo da narrativa histórica que afirma ter sido no dia 04 de outubro a data do descobrimento do rio, pois antes da presença deste destemido navegador italiano nas águas do Opará (“rio-mar”), os índios já habitavam na região e viviam pescando em suas águas repletas de peixes, para alimentar suas tribos.

A destruição começou com a chegada de Américo Vespúcio que, naquela época, estava a serviço do Reino de Portugal. A partir daí outros exploradores foram se instalando e, pouco a pouco, os problemas foram chegando.

Com a chegada dos donatários, o desmatamento ganancioso (para a comercialização do pau- brasil (caesalpinia enchinata)   e a exploração da pecuária (por meio da criação de gado) tornaram-se as principais atividades da região ribeirinha.

Com a colonização dos vales, foram criados povoamentos, instalaram-se numerosas fazendas e contínuas agressões à natureza foram realizadas, além da extração de suas riquezas minerais, inclusive o ouro.

O sistema de Sesmarias foi impiedoso, devastador e inconsequente porque só procurou extrair do Velho Chico suas riquezas naturais e não se preocupava com a preservação de sua biodiversidade.  

Depois de atravessar tantos períodos da nossa história, o Velho Chico continua serpenteando e enfrentando obstáculos, porém, desta feita, combalido, fragilizado e ofegante, sendo a construção de barragens sua ameaça maior, além da devastação de suas matas ciliares.  

Apesar de agonizante, o Velho Chico não conta com o apoio da classe política brasileira, pois se isso não fosse verdade, “o rio da integração nacional” não estaria sofrendo com o letal projeto de Transposição.

O Velho Chico não precisa de discursos demagógicos e, tampouco, de reuniões improdutivas que resultam em relatórios bonitos que de nada servem.

O Velho Chico precisa urgentemente de muita ação, de luta e determinação porque ele está morrendo e, por isto, precisa da união e força do povo ribeirinho; da atenção de seus amantes, incluindo os pescadores, canoeiros, agricultores, ambientalistas, lavadeiras, comerciantes, profissionais de imprensa, poetas, escritores, professores, estudantes e de tantos outros segmentos da sociedade civil organizada.

É lamentável e vergonhosa a omissão do Congresso Nacional,  que nada faz para impedir a execução do catastrófico projeto que significa o tiro de misericórdia no rio São Francisco, pois ele pode ser comparado a um paciente que se encontra em estado terminal e, por isto, não tem a mínima condição de doar sangue.

 

A voz do Velho Chico

O voz do rio São Francisco  pode ser ouvida através de pessoas que o defendem e de imagens que são mostradas denunciando seu martírio. 

A voz do Velho Chico está nas rodas de conversas, nas salas de aula, nas poesias e nas canções dos ribeirinhos, nos programas de rádio e televisão e nos museus ambientais  que denunciam a agressão ao ecossistema.

Porém, apesar da precária situação em que se encontra o Velho Chico, ele ainda possui seus encantos, seus mistérios, suas lendas e suas belezas. Por tudo isto, este rio genuinamente brasileiro merece atenção e respeito, pois é vida que dá vida.

Outrora navegável em quase toda a sua extensão (2.863 km), o rio São Francisco se encontra hoje completamente assoreado e com poucos trechos navegáveis.

Nos próximos dias a situação ficará ainda mais crítica com a inevitável redução da vazão defluente da Barragem de Xingó para 700 metros cúbicos por segundo, inclusive já autorizada pela Agência Nacional de Águas (ANA), por motivo da crise hídrica provocada pela garnde escassez de chuvas.

Contudo, ainda resta uma luz no fim do túnel para que o Velho Chico venha a ser salvo. Mas é preciso muito amor, dedicação, organização e luta do povo ribeirinho, que precisa exigir da classe política a imediata paralisação dos serviços, bem como exigir da Suprema Corte do Brasil que embargue a obra de Transposição porque ela está superfaturada e com desvio de dinheiro público.

Isto acontecendo, com certeza, o Velho Chico terá chances reais de viver, pois o tão desejado projeto de Revitalização pode ser exigido do Congresso e do Palácio do Planalto.

 

“CARTA ABERTA DO RIO SÃO FRANCISCO”

Por Giovanni Fialho

Olá! Eu gostaria de pedir um minuto da sua atenção.

Eu nasci na Serra da Canastra, em São Roque de Minas, centro-oeste de Minas Gerais, fui batizado com o nome de “Pirapitinga” pelos indígenas que habitavam às minhas margens. Fui crescendo e quando atingi minha idade adulta, havia crescido tanto que fiquei com 2.830km de extensão e cheguei ao meu destino final – o mar. Pelo tamanho que fiquei os índios das novas terras me apelidaram de Opará, eram muitas tribos: pancararus, atikum, kimbiwa, truká, kiriri, tuxás, pancararés, urumaris, cariri, xocós e outras.  E vivi feliz por muitos anos atendendo às necessidades dos nativos e dos animais que se banhavam e se alimentavam das minhas águas.

Eu era muito feliz com a vida que eu levava, até que no dia 04 de outubro de 1.501, Dia de São Francisco de Assis, dois homens, Américo Vespúcio e André Gonçalves, fizeram uma incursão em minhas águas e disseram que me descobriram e me rebatizaram com um nome, “civilizado”, de Rio São Francisco. Cerca de três anos depois, em outra expedição, desta feita, Américo Vespúcio e Duarte Coelho, chegaram à minha foz, local sagrado onde me encontro com o mar. E, aproximadamente, 19 anos depois que Duarte Coelho conheceu a minha foz, fundou uma cidadela chamada Penedo, na minha margem, no lado de Alagoas, e daí em diante, foram criando pequenos vilarejos e esses vilarejos  foram crescendo e virando cidades e todas elas abastecidas pelas minhas águas e alimentadas com o meu pescado. Servi como rota para muitas expedições, de todos os tipos, científicas, comerciais, turísticas e expansionistas.

Hoje, sou considerado o rio da integração nacional, atravesso 05 estados brasileiros e 521 municípios usufruem das minhas águas e contribuem grandemente para me poluir e me adoecer, o que é mais impressionante é que todas essas pessoas fazem isso sem um pingo de culpa, acham que nasci para servir às suas vontades e aos seus caprichos e morrer por elas. Agora entendo porque me deram o nome de São Francisco e acho que me caiu muito bem.

Há muito tempo, eu era incrível, tinha tanta força que dava prazer em lutar com as águas do mar, tentando me vencer, mas era eu quem invadia suas águas, mas sinto-me combalido nessa luta infinita e já sinto o sal invadindo as minhas águas e alterando o meu ecossistema – O homem tanto fez que está conseguindo me destruir. Lembro-me como se fosse hoje quando as primeiras cidades foram criadas, a poluição dos seus esgotos começaram a ofender minha saúde, mas, eu ainda era muito forte e conseguia carregar toda aquela sujeira e jogar no mar. Mas, o tempo foi passando e os homens foram inventando coisas, e a pior dessas coisas foi uma chamada barragem, usada para montar usinas de geração de energia elétrica e isso foi realmente muito cruel comigo. Construíram em Minas Gerias, a Três Marias, na Bahia, outras quatro usinas na cidade de Paulo Afonso, em Pernambuco uma usina na cidade de Itaparica, em Alagoas a usina Moxotó e em Sergipe a usina Xingó. Sem contar que em minha bacia foram construídas outras 26 usinas e todas elas retém as minhas águas e deixam-me cada dia mais fraco.  As construções dessas barragens são a causa da minha desgraça e serão a causa da minha morte, elas alteraram o ciclo natural das minhas cheias e vazantes, extinguiram as minhas lagoas marginais e interromperam o ciclo migratório e reprodutivo dos peixes, os estoques de recursos pesqueiros que antes eu tinha em abundância hoje se encontram cada vez mais escassos, espécies como: robalo, surubim e tubarana, praticamente, estão extintas. Escuto, diariamente, os pescadores lamentando que os peixes estão acabando e, com isso a pesca artesanal, mas não os vejo fazerem nada para me ajudar – eu até entendo que eles podem fazer muito pouco. Lamentavelmente, vejo proliferar em minhas margens os criatórios de tilápias como se fossem a salvação da pátria ribeirinha, mas, sinto que essa iniciativa é apenas paliativa e não passa da valorização de uma subcultura, pois, tilápia, em meus bons tempos, era apenas uma espécie menos favorecida e pouco procurada pelas pessoas que viviam às minhas margens.

Sei que todos sabem que tudo isso foi causado pelas barragens que controlam o fluxo das minhas águas de acordo com a necessidade e com a vontade do homem para gerar energia elétrica. Todavia, culpam ao criador pela falta de chuvas para me alimentar e me renovar, o que o homem precisa saber é que a estiagem também é um fator causado pela sua irresponsabilidade quando explora a natureza de forma destruidora e inconsequente.

É verdade que eu me encontro assoreado e fraco demais e já não tenho forças para empurrar os dejetos e poluições para fora de mim e, assim, eles se acumulam e me deixam cada vez mais doente, as vegetações ciliares que me protegiam, ou foram extintas pelo homem ou invadiram minhas margens, transformando-se em matas inóspitas que sufocam minhas praias e me transformam numa paisagem miserável. E mesmo assim, ainda fazem adutoras e transposições para extraírem minhas águas, deixando-me cada vez mais moribundo. Vejo que o apelido carinhoso de “Velho Chico”, que recebi dos meus amados ribeirinhos, agora me é cabido no sentido mais amplo da expressão. Sinto-me, realmente, um ancião sinistramente alquebrado, precisando de ajuda urgente.

Por tudo isso e por tudo que representei e represento para todas as pessoas que se utilizaram e se utilizam, ainda, de mim. Peço que algo seja feito, urgentemente, enquanto é tempo, para que me deixem viver e sobreviver a tanto descaso.

Despeço-me com lágrimas de desespero e cheio de pesar, pois, sei que se nada for feito para me salvar, logo estarei morto e, num futuro não muito distante, pouca vida haverá em meu vale.

 Socooorrooooo!!!!

Com tristeza,

Pirapitinga, Opará ou, simplesmente, Rio São Francisco, o seu “Velho Chico”.

Comentários

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  • Giovanni 05 de Outubro de 2016 Magnífica matéria em defesa do nosso "Velho Chico". Hoje, realmente, é aniversário do dia em que se iniciou o "atentado à vida" do nosso amado rio. Parabéns! O rio São Francisco precisa de amigos como você.
    dos anjos barbosa augusto 06 de Outubro de 2016 Simplesmente muito obrigado por esistir meu amado RIO SAO FRANCISCO.