Pão de Açúcar – Grito de Liberdade
Uma homenagem do auor deste blog aos 164 anos de emancipação política do Município
Paço Imperial completamente abandono, em Pão de Açúcar. Foto: Notícia Quente/Helio Fialho
Em agosto de 2006, depois de caminhar pela Avenida Ferreira de Novais (Rua da Frente), Avenida Bráulio Cavalcante e outras artérias da cidade, eu pude sentir em minhas narinas a fedentina provocada pelos esgotos que escorrem a céu aberto; o abandono da Rua da Frente; o desprezo do antigo sobrado onde se hospedou D. Pedro II; as praças abandonadas da Avenida Bráulio Cavalcante, onde os formigueiros gigantes haviam invadido os jardins e o local não mais exibia a beleza das plantas e dera lugar à terra seca e à poeira. Em todas as ruas a iluminação tornara-se caótica porque era grande a quantidade de luminárias queimadas sobre os postes. Também vi as pessoas serem transportadas em caminhões “pau-de-arara” e em carrocerias de caminhonetes sucateadas, como se fossem mercadorias e animais.
Enquanto eu caminhava em estado de perplexidade, devido ao cenário de completo abandono que estava presenciando, mergulhei em profunda tristeza. Foi aí que o meu espírito poético de filho da plaga de Jaciobá começou a questionar o porquê de Pão de Açúcar sempre alimentar o sonho do progresso, que parecia distanciar-se, assim como o arco-íris que surge no céu e nunca pode ser alcançado.
E sentado sobre um dos bancos quebrados da pracinha próxima da casa onde morava a minha genitora, enquanto eu a esperava para conversar, como era de costume, comecei a produzir rabiscos literários que deram origem a este texto que durante doze anos viveu guardado em meus arquivos – e só foi lido para pessoas de minha família e para alguns de meus amigos.
O texto jamais teve a intenção de atingir quaisquer pessoas. E o fato de nunca ter sido publicado pelo autor, já é prova suficiente. Apenas escrevi a minha indignação e o meu protesto de filho e amante deste Espelho da Lua, dando voz a milhares de conterrâneos que são tocados por este mesmo sentimento porque amam intensamente esta terra banhada pelo Velho Chico. É claro, sem perder de vista que os problemas destacados no texto não são frutos de uma só gestão, porém, de várias administrações que já passaram por Pão de Açúcar.
E nesta data em que Pão de Açúcar comemora 164 anos de sua emancipação política, rendo a minha homenagem à terra onde nasci, publicando pela primeira vez este texto poético, para a reflexão de todos os filhos e amantes pão-de-açucarenses. Leia abaixo.
“Pão de Açúcar – Grito de Liberdade”
Pão de Açúcar,
Tu adormeces no atraso
Na sombria esperança de um progresso que não chega.
Onde estão teus filhos
Que sob o lema da mudança
Prometeram saúde, educação, cultura
Moradia, emprego e desenvolvimento?
O tempo passou
E permaneces a mesma:
Formosa, encantadora, serena
Porém, mais pobre, analfabeta, desempregada, desassistida e fétida!
A tua ociosidade, plaga minha,
Conduziu-te ao mundo das drogas e da prostituição!
As tuas crianças e teus adolescentes
Perambulam pelas ruas, dia e noite,
Aos olhos cegos das autoridades
E vão ao encontro do prazer etílico
E do êxtase do sexo de risco.
Onde habitam os teus exploradores
Que subtraíram dos cofres o teu dinheiro
E não investiram em teu futuro?
Oh, Pão de Açúcar,
Como é triste olhar para o teu comércio debilitado,
Desprovido de promoção
E escasso de opção!
A tua frota de coletivos é tão sucateada e deficiente
Semelhante à consciência dos que te administram!
E o teu patrimônio natural?
Teu rio, tuas lagoas, tua fauna e flora
Foram devorados pela insana ambição
De uma minoria que age em nome de uma civilização nefasta.
Ah, que saudade das enchentes do Velho Chico,
Das colheitas de arroz,
Das sombras do cedro e da baraúna
E dos cantos da juriti e do pinta-silgo!
E os teus sobrados e antigo casario?
Desprotegidos de tombamento,
Vitimados pelo descaso,
Hoje são demolidos
Deixando vazia a tua história.
Minha Terra do Sol, como definir a tua sociedade?
Conservadora?
Liberal?
Refém da própria inércia?
Cúmplice da agressão e do desrespeito com que te tratam?
Oh, minha terra árida,
Os teus filhos ausentes
Choram a dor da saudade,
Do aconchego de outrora,
Do teu abraço fraterno,
Do teu calor materno,
Da histórica mãe Jaciobá!
Assim como a “asa branca”
Os teus filhos voaram para distante
Em busca de sobrevivência
E agora querem voltar.
Mas, regressar para onde?
Se já não ofereces abrigo
Nem sombra, nem paz?!
Tudo foi destruído
Ao longo de todo esse tempo
Por parasitas famélicos
Que sugaram o néctar do progresso
E te aprisionaram com os grilhões do retrocesso
Na mísera senzala do abandono
De onde escutas apenas gritos isolados de protesto.
E os teus artistas, doutores, escritores, padres e pastores?
O que fazem por ti?
Denunciam o flagelo a que estás submetida?
Ou assistem calados ao teu martírio?
É preciso coragem e determinação
Para quebrar as cadeias falcatruosas
Friamente arquitetadas
Para a submissão do teu povo!
Vamos, minha terra, reaja!
Acorda desse teu sono secular
Que te faz dormir sobre a esteira asquerosa do atraso,
Vítima de pesadelos e dissabores,
Provocados por políticos traidores, enganadores do povo
E do erário público saqueadores,
Que enriqueceram ilicitamente
Deixando apenas como herança
Indicadores econômicos e sociais vergonhosos!
Desperta, Cidade Branca!
Para recuperar o tempo perdido
Onde forasteiros te usurparam e fizeram fortunas,
Enquanto os teus filhos vivem subjugados
E a estes sendo negados
Os direitos fundamentais do cidadão!
Pão de Açúcar,
Os teus amantes te apoiam
A dizer não a essa casta que te engana e te explora
Impondo um nepotismo imoral a ti,
Direcionando as benesses do governo para a própria família,
Enquanto as tuas praças, ruas e praias
Agonizam despidas, desprotegidas e sem conservação.
As tuas crianças carecem de lazer, creches e vida social sadia;
Os teus jovens precisam de trabalho e de escolas dignas;
Os teus idosos exigem leis, espaços e respeito;
Os teus moradores querem ser tratados como gente
E não como depreciada mercadoria eleitoreira!
Oh, meu combalido torrão ribeirinho,
Taba dos extintos guerreiros Urumaris,
Berço de músicos, poetas, artesãos, escultores,
De filhos ilustres e de professores,
Caminho do rio São Francisco,
Plaga onde nasci
E onde foram sepultados os meus entes queridos,
Quebre os grilhões que te prendem!
Levante deste teu leito de morte!
Erga a tua cabeça! Enxergue o amanhã!
Contemple os teus filhos que haverão de nascer!
Encha o teu peito com o ar do futuro!
E dê, Espelho da Lua, o teu grito de liberdade!!!
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