O Vendedor de Judas
Grandes bonecos de pano, que representam personae non gratae, são conduzidos em carroças e vendidos nas ruas.

Fonte: Artigo de Helio Fialho

O Vendedor de Judas - Foto meramente ilustrativa Foto: Reprodução/G1
Uma passagem neotestamentária faz alusão ao preço que o discípulo Judas Iscariotes vendeu Jesus para as autoridades judaicas: “trinta moedas de prata”. Mais de dois mil anos já passaram desse acontecimento que ficou marcado nas páginas da história do cristianismo e a multidão continua a julgar o discípulo traidor que, estigmatizado para sempre, foi inserido nas comemorações profanas da Semana Santa, no Brasil.
Por isso, no Domingo de Páscoa não pode faltar o “rasga Judas” ou “queimas judas”, evento onde uma pessoa procede à leitura da “deixa” do sentenciado (uma espécie de testamento), sob a jocosidade do público participante, que, logo em seguida, parte furiosa para estraçalhar ou queimar o boneco que simboliza “o traidor”.
Para os adeptos do “rasga Judas”, a brincadeira é uma excelente terapia para extravasar as tensões e o estresse gerados por problemas cotidianos, vividos pela maioria esmagadora da população brasileira – prática de corrupção nos Três Poderes, violência em larga escala, impunidade aos criminosos, insegurança jurídica, retorno da inflação, salário mínimo irrisório, contas a pagar etc.
Contudo, impressionou-me a maneira criativa que um cidadão encontrou para garantir o pagamento de suas contas atrasadas e comprar alimentos para sustentar a família, isto´é, dez filhos e a esposa. Este trabalhador autônomo faz parte do universo de milhões de desempregados deste gigante Brasil, sem casa própria, sem mesa farta, sem plano de saúde e sem tempo de serviço para uma futura aposentadoria. Este chefe de família, desempregado, conseguiu vender bonecos grandes, de paletó e gravata, com enchimento de palha e retalhos. Entre as alcunhas dos Judas, destacam-se: Luiz, Geraldo, Pacheco, Davi, Arthur, Motta, Barroso, Gilmar, Dias, Edson, Alexandre e outros. É muito grande a quantidade de Judas!
Foi uma maneira encontrada para protestar contra essa gente do colarinho branco, que vive a negociar o Brasil, traindo a confiança do povo a preços muito diferentes dos valores cobrados pelo vendedor de Judas.
E se depender da atuação dessa gente, com certeza, não faltará Judas para serem rasgados nas semanas santas vindouras, pois a fila é crescente e a carroça do vendedor tende a ficar superlotada. E isso significa mais dinheiro no bolso do “vendedor de Judas”, a mais recente profissão, criada neste Brasil. Boto fé nesta nova atividade, pois o campo é amplo e o momento é satisfatório, no país da corrupção e dos esquemas.
No Brasil, confesso que já vi de tudo. Já vi paulista preguiçoso; carioca embaraçado, mineiro tagarela, argentino humilde, político sincero, padre casado, pastor bígamo, congressistas e magistrados contra as benesses do poder. Só não ví, ainda, político não gostar das tais emendas...
Voltando ao vendedor de Judas. O brasileiro é mesmo muito criativo e engraçado. Ele sabe tirar leite de pedra e, da miséria, extrair o bom-humor. Por isso, enquanto essas múltiplas muambas estiverem expostas nas vitrines da ladroagem nacional, o estoque de Judas continuará crescendo, garantindo, destarte, a preservação do tradicional “rasga Judas”, onde uma multidão, cada vez mais revoltada e ansiosa, a proveita o Domingo de Páscoa, para rasgar ou queimar grandes bonecos de pano, os quais representam personae non gratae.
Boas vendas, vendedor de Judas!
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