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O digital influencer Albert Maia, amparado por lei, pagou fiança e saiu da prisão

Ainda que o acusem de embriaguez ao volante e sem habilitação para dirigir não é suficiente para imputar ao autor do atropelamento crime doloso, pois, ao dirigir o veículo automotor, ele não o fez com a intenção de atropelar e matar a vítima.


O digital influencer Albert Maia

O digital influencer Albert Maia   Foto: Reprodução/Redes Sociais

Postado em: 01/06/2021 às 21:16:08   /   por Helio Fialho

Apesar de muitos protestos nas redes sociais, a soltura, na última segunda-feira (31), do digital influencer Albert Maia Souza, na última segunda-feira (31), que estava preso na Delegacia Regional de Santana do Ipanema, tem amparo legal porque ele não teve a intenção de matar a vítima quando, ao cochilar ao volante, colidiu o veículo em que dirigia contra a motocicleta que estava sendo pilotada pelo mecânico Fabiano dos Santos Lisboa, que estava indo alimentar uma criação de porcos.

Logo após ter provocado acidente, na manhã do último domingo (30), Albert evadiu-se do local e somente foi localizado pela polícia, no momento em que ele estava à sombra de uma árvore, atordoado,no Alto Paraíso, zona periférica da cidade. Ao ser preso em flagrante, o digital influencer não reagiu e foi conduzido para a Delegacia Regional de Santana do Ipanema, por motivo de o plantão policial de domingo ter sido nesta delegacia.

Recolhido, o acusado foi ouvido pelo delegado Emanuel David Freitas Viana, e confessou que havia colidido o Fiat Idea, placa MNO 5907, que estava dirigindo, contra a motocicleta pilotada pelo mecânico Fabiano dos Santos Lisboa, de 24 anos. Contudo, "ele só percebeu o acidente quando acordou com o choque do carro, pois havia cochilado ao volante".

Segundo, ainda, Albert Maia em seu depoimento, "ele não percebeu que havia atingido gravemente o mecânico e que logo deixou o local do acidente, para evitar sofrer agressão de populares".

Consta, também, no inquérito policial, que "o acusado não aceitou submeter-se ao teste do bafômetro e que não estava sob efeito etílico no momento da colisão, porém, havia participado de uma confraternização de família, na noite do último sábado (29), na qualidade de convidado e amigo, e que foi autorizado, por sua amiga, filha do proprietário do Fiat Idea,  a dirigir o carro para guardar o veículo com segurança, em Pão de Açúcar, já que na chácara onde aconteceu a confraternização, o veículo não podia ser guardado, por questões de segurança".

 

Solto em 24 horas

Ao ser interrogado pelo delegado, o digital influencer Albert Maia passou apenas um dia preso e foi solto, na última segunda-feira (31), sob pagamento de fiança, em conformidade com a lei. Contudo, a soltura do acusado não significa que ele está livre do processo (ele apenas está respondendo em liberdade). Destarte, o trâmite continua, o representante do Ministério Público (promotor de Justiça) irá se pronunciar e,em seguida, o processo retornará ao juiz para que o mesmo possa proferir sua decisão (não significa a sentença final). E ainda existe a grande possibilidade de a famíliia (a viúva) pedir uma indenização pela morte, cujos cálculos serão feitos, principalmente, com base na expectativa média de vida da vítima e não do beneficiário. Neste caso específico, levar-se-á em consideração a idade do falecido e os anos de vida que o mesmo poderia alcançar (a atual média de vida do brasileiro, segundo o IBGE, é de 76,6 anos, isto é, homens: 73,1 anos; mulheres: 80,1 anos).

No despacho do juiz da Comarca de Pão de Açúcar consta: “Trata-se de comunicado de prisão em flagrante de Albert Maia Souza, já qualificado, apontado como incurso nas penas do art. 302 da Lei 9.503.97 (homicídio culposo no trânsito), por conduta praticada em 30-05-2021, no município de Pão de Açúcar. O flagrante reveste-se das formalidades legais, eis que observadas as disposições constantes dos arts. 301 a 310 do CPP. Consta-se que o investigado foi liberado mediante pagamento de fiança, arbitrada pela autoridade policial. Ante o exposto, homologo o flagrante e a fiança, nos termos em que formalizados. Aguarde-se, até 30-06-2021, a juntada do inquérito policial e, em ocorrendo, faça-se imediata vista ao MP.” (Autos nº 0700284-54.2021.8.02.0048 - Ação: Auto de Prisão em Flagrante).

 

Homicídio culposo

De acordo com a lei, Albert Maia não teve a intenção de atropelar e matar o mecânico Fabiano dos Santos Lisboa. Sendo assim, o homicídio que ele praticou no trânsito não é doloso e sim culposo.

Ainda que o acusem de embriaguez ao volante e sem habilitação para dirigir não é o suficiente para imputar ao autor do atropelamento a prática de crime doloso, pois, ao dirigir o veículo automotor, o digital influencer não o fez com a intenção de atropelar e matar a vítima.

É importante destacar que a soltura do acusado, ainda que seja revoltante e que gere inconformismo à família e aos amigos do mecânico Fabiano Lisboa, não trata-se de “instituto do achismo” ou de uma decisão sem fundamentação legal que, mesmo contrariando a comoção da sociedade, encontra-se amparada na lei.

Sobre este assunto, transcrevemos aqui um texto extraído do portal JUSBRASIL, publicado por Lucas Brustolin Pezzi, para que os nossos prezados leitores possam, a parir da leitura, comentar o assunto com maior entendimento.

 

O homicídio causado por motorista embriagado: é doloso ou culposo?

Diante da relevância do bem jurídico tutelado, os crimes que atingem a vida (que causam a morte) das pessoas ganham especial relevância dentro do estudo do Direito Penal.

No campo jurídico, são ardentes as discussões acerca da conduta do motorista que, embriagado, causa acidente com resultado morte, em especial se o fato se enquadra como homicídio doloso ou culposo.

Importante esclarecer que, para que o fato seja considerado doloso, exige-se que o agente, ao dirigir veículo automotor, o faça com a intenção de matar alguém, ou, então, revele, pela sua forma de agir, que assumiu o risco de matar (dolo eventual).

Essa diferenciação é fundamental, pois as consequências no reconhecimento do dolo serão, naturalmente, mais severas.

No caso de o homicídio ser considerado doloso (quanto tem a intenção ou assume o risco de matar), o fato será tipificado no art. 121, do Código Penal, e o julgamento será realizado pelo Tribunal do Júri; a pena é de reclusão, de 6 a 20 anos.

Sendo culposo (quando o resultado morte não é o esperado), o fato será tipificado no art. 302, § 3º, do Código de Trânsito Brasileiro, cujo julgamento será realizado por juiz singular; a pena será de reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo.

Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça[1] decidiu que o mero fato de o motorista estar embriagado, por si só, não revela que ele assume o risco de causar um acidente com resultado morte.

Para a Corte, exige-se a demonstração de que, somado à embriaguez, o agente adote outros comportamentos que acentuem o potencial de dano e que revelem, objetivamente, que ele assumiu o risco de causar o resultado fatal.

Para ilustrar, seria a situação do motorista que, além de embriagado, também dirige na contramão, fura sinal vermelho, transita em excesso de velocidade, atropela alguém durante um “racha”, etc.

Assim, pode-se concluir que nem sempre quando o homicídio for causado por motorista embriagado o fato será considerado homicídio doloso e será julgado pelo Tribunal do Júri. Deve-se analisar o caso concreto e verificar se, objetivamente, o condutor incrementou à sua conduta outras circunstâncias capazes de demonstrar que assumiu o risco de causar a morte[2].


[1] “[...] 5. É possível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual na conduta do autor, desde que se justifique tal excepcional conclusão a partir de circunstâncias fáticas que, subjacentes ao comportamento delitivo, indiquem haver o agente previsto e anuído ao resultado morte. 6. A embriaguez do agente condutor do automóvel, sem o acréscimo de outras peculiaridades que ultrapassem a violação do dever de cuidado objetivo, inerente ao tipo culposo, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual. Conquanto tal circunstância contribua para a análise do elemento anímico que move o agente, não se ajusta ao melhor direito presumir o consentimento do agente com o resultado danoso apenas porque, sem outra peculiaridade excedente ao seu agir ilícito, estaria sob efeito de bebida alcoólica ao colidir seu veículo contra o automóvel conduzido pela vítima. 7. Não é consentâneo, aos objetivos a que representa na dinâmica do procedimento bifásico do Tribunal do Júri a decisão de pronúncia, relegar a juízes leigos, com a cômoda invocação da questionável regra do in dubio pro societate, a tarefa de decidir sobre a ocorrência de um estado anímico cuja verificação demanda complexo e técnico exame de conceitos jurídico-penais. 8. A primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). A instrução preliminar realizada na primeira fase do procedimento do Júri, indispensável para evitar imputações temerárias e levianas, "dá à defesa a faculdade de dissipar as suspeitas, de combater os indícios, de explicar os atos e de destruir a prevenção no nascedouro; propicia-lhe meios de desvendar prontamente a mentira e de evitar a escandalosa publicidade do julgamento" (MENDES DE ALMEIDA, J. Canuto. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: RT, 1973, p. 11). 9. A jurisdição criminal não pode, ante a deficiência legislativa na tipificação das condutas humanas, impor responsabilidade penal além da que esteja em conformidade com os dados constantes dos autos e com a teoria do crime, sob pena de render-se ao punitivismo inconsequente, de cariz meramente simbólico, contrário à racionalidade pós-iluminista que inaugurou o Direito Penal moderno. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e - identificada violação dos arts. 419 do Código de Processo Penal e 302 do Código de Trânsito Brasileiro, assim como reconhecida a apontada divergência jurisprudencial - provido para reformar o acórdão impugnado, desclassificar a conduta da recorrente para o crime previsto no art. 302 do CTB e remeter os autos ao Juízo competente”. (REsp 1689173/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 26/03/2018).

[2] “[...] A prova (rigorosamente, a imputação) do elemento subjetivo, neste casos de exceção, demanda a presença de elementos contidos na conduta do réu e externalizados que, conjuntamente considerados, permitam a conclusão de que o acusado, mesmo, em tese, expondo sua própria vida a perigo (autocolocação em risco não rara em certas configurações psicológicas), insiste na conduta, com o que decide pela possível lesão ao bem jurídico vida; assume o risco de causar a morte de outrem, na fórmula legal. Dolo eventual configurado com base em elementos contidos nos autos. A análise conjunta das circunstâncias do fato criminoso permite a conclusão de que o réu tinha previsão do resultado morte e mesmo assim insistiu em sua conduta, assumindo o risco da morte da vítima. Embriaguez, excesso de velocidade, manobras perigosas e condições climáticas adversas (neblina). Elementos que conjuntamente considerados autorizam o veredicto do Conselho de Sentença. Razoável, neste contexto, imputação (ao réu) de decisão livre e consciente pela possível lesão ao bem jurídico vida, núcleo conceitual do dolo eventual. Neste suporte fático, inverossímil que houvesse fundada confiança na evitação do resultado possível (que, se presente, poderia deslocar a tipicidade subjetiva para a culpa consciente)”. Condenação mantida RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Crime, Nº 70077784627, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em: 20-06-2018).

(Matéria atualizada às 06h17min do dia 02 de junho de 2021).

 

   

 

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